Pare. Pense. Ouça. Ouviu? Agora fale.

"Não existem milagres nesse mundo. Só existem fatalidades, coincidências e o que você faz."


Esse post faz parte da postagem coletiva em defesa do Estado Laico.Enfim, vamos ao texto.

Igualdade e tolerância, são uns dos principais pilares de um sociedade justa, todos devem ser vistos por igual independente de classe social,sexo, religião - ou fala dela - cor, orientação sexual ou qualquer possível diferença.
Infelizmente, sabemos que o Brasil está muito, mais muito distante disso. Os exemplos são intermináveis; impunidade com ricos, salários menores devido a sexo, preconceitos com minorias, ofensas e etc. São problemas que todos já conhecem e muito se é discutido a forma para sucumbi-los, numerosas propostas surgem; criação de leis, investimento na educação, punição, mas a mudança de fato nunca ocorre. As causas são várias, dentre elas as raízes cultural do país, má vontade de governantes, aceitação da população e a mistura de religião e estado.
Teoricamente o Brasil é um país laico, contudo isso não acontece,a religião aqui é intrinsecamente ligada ao estado. E em consequência disso surge vários problemas que afastam ainda mais a tolerância e igualdade, enraizando ainda mais o Brasil como um país primitivo. Se alguém pensa que homossexuais são pecadores, que aborto é inadmissível e indiscutível, que pessoas sem "Deus no coração" são seres de má índole, que as pessoas de outra religião irão todas para o inferno é alguém com uma visão estreita que prejudica toda a sociedade, contudo por não possuir poderes seus males geralmente são limitados. Porém quando esse alguém adquire poderes políticos esse perigo começa a se descontrolar e quando há uma bancada com essa visão torna-se incontrolável.
O problema mor não é o vereador, prefeito, deputado, senador, presidente ou o que for possuir uma religião, o problema é quando decisões são tomadas por conta dessa religião, abdicando da razão e do bem geral, criando assuntos indiscutíveis e mantendo tabus.

Um exemplo disso é o modo como a homossexualidade sempre foi tratada no país, o Brasil possuir a maior Parada Gay do mundo, contudo os direitos destes só estão sendo realmente sendo discutidos hoje, mas não é porque esses se calaram ou não fizeram movimentos ou nada semelhante é porque a visão do pecaminoso homossexual dominou a visão política por muito tempo, sendo que essa noção não cabe na política.
Aborto é um tema de saúde pública, contudo é intocável devido a moralidade cristã que o reveste.Legalização da maconha é tratado pelos cristão defensores "dos bons costumes" como inaceitável e então o assunto se torna um tabu. A questão não é que esses e tantos outros temas deveriam ser legalizados ou não e sim que deveriam ser tratados como assuntos sociais e jamais religiosos.

Não obstante há a educação religiosa, o próprio nome remete a uma falta de laicismo, é inviável que todas as religiões sejam abordadas e também improvável que seja tratada com indiferença visto que o educador possui a sua preferência. Crianças filhas de pais ateus ou então de religiões minoritárias como as africanas, provavelmente sentirão um desconforto e mesmo que possuam o direito de sair da sala, isso causará um desconforto ainda maior, pois as outras crianças questionarão, acharão estranho e os próprios educadores, então acontece a doutrinação infantil e ainda sustentada pelo estado. É indiscutível a questão religiosa na cultura, contudo ela deve ser tratado - ao menos em locais públicos - como uma questão histórica/cultural e nada a mais.

Ao adentrar em um local público - escola, tribunal, prefeitura... - e encontrar uma cruz, isso não quer dizer meramente que as pessoas que ali trabalham são cristãs ou que o local é abençoado por aquele Deus cristão. Aquela cruz quer dizer que aquele local é cristão, mas aquele local atende a evangélicos, muçulmanos, ateus, agnósticos e tantos outros, aquele local não pode ser cristão, assim como não pode ser branco,preto, amarelo ou indígena, hétero, bissexual,homossexual, mulher ou homem ou qualquer outra coisa. Aquele local deve ser o local de todos, sem preferências ou diferenciação, mas aquela cruz me informa que aquele local não é neutro, ele tem uma crença, ele tem preferência.

Obviamente não quer dizer que aquele símbolo religioso vai ser responsável pelas ações referente à religião ou que a ausência dele vai transformar a visão dos ali presentes, um símbolo é meramente um símbolo, a questão é o significado atribuído a ele. A comunicação visual nesse caso é de extrema importância. Qualquer local público deve além de ser neutro passar essa imagem.

Só seremos realmente um país tolerante e igualitário se nos vermos como tal, não adianta ter uma boa educação se essa seja regrada a preconceito e nem boas leis se essas não sejam cumpridas ou se são aplicadas de formas diferentes. Um dos passos para a verdadeira mudança é um país laico, verdadeiramente laico, a religião não é intocável, nada deve ser tratado como tal. O mundo muda, as visões mudam e devemos estar sujeitos a essas mudanças, revendo conceitos e mudando-os se necessário.
Todos os assuntos referentes a política devem ser tratados com olhar clínico, racional e não passional e/ou religioso. As mudanças devem ocorrer para o bem geral e devem estar sujeitas a questionamentos, afastados de verdades absolutas e preconceitos Portanto, só seremos de fato um país justo quando superarmos as diferenças e colocarmos o bom senso e a razão acima da religião e separá-la definitivamente do estado.

Era um bar ordinário, não uma espelunca, contudo não era o que se podia chamar de limpo, era comum, em geral, freqüentado por pessoas comuns, hoje havia três indivíduos interessantes: o doente, o cidadão de bem e o maconheiro, cada qual na sua droga.

O doente entre um remédio e outro observava tais indivíduos, como poderiam ser tão calmos, mesmo com aquelas drogas eram tão saudáveis e ele não, era drogado desde que se lembrava por gente, remédios, remédios, se intoxicava desde cedo, remédio pra cabeça, pro estômago, pra tosse, pra dormir, pra viver, pode-se dizer que viver doía, era um viciado, mas era apenas mais um dentre tantos que amam os tóxicos com bulas, seu corpo pedia e só se acalmava quando aquela química adentrava em seu organismo e o controlava, ele podia sentir cada etapa, era bom, prazeroso, ele amava a dor, pois quando ela parava, era vida e então ele amava os remédios. Não entendia como jovens saudáveis desperdiçavam a vida, traziam doenças usando aquelas drogas, não entendia.

O cidadão de bem não notou o doente, estava ocupado demais com o maconheiro, estava colérico, aquele jovem da idade de seu filho, um vadio, usando aquela droga maldita, entre uma golada e outra de cerveja analisava aquele cretino, além de se drogar tinha a indecência de fazer em um local público, MALDITO. Talvez o fosse por falta de apanhar, não imaginaria como reagiria se visse seu filho em tal situação, provavelmente o bateria até ele entender o porquê não deve usar aquilo, aquele menino não deveria nem ter família, deveria ser um vagabundo, sem teto, sem lar, sem caráter, sem nada, provavelmente era um... um... ateu, um merda sem Deus no coração, capaz de tudo, seus filhos jamais se tornariam aquilo, pois assim como ele eram tementes a Deus e trabalhadores. Desejou que a polícia estivesse ali e enchesse de cacete aquele maconheiro desgraçado, estava tão absorvido pelo rapaz que não percebia o quanto estava bebendo.

O maconheiro não reparou em nenhum dos dois indivíduos, na verdade não reparou em ninguém, estava absorto em sua própria realidade, não havia mais ninguém além dele, o tempo e espaço estavam deturpados, ás vezes sentia todos o vigiando, dava temores, mas ele ignorava e então passava e então continuava no seu mundo, só seu, pouco importava quem estava fora deste, pois estes também deveriam ter o seu próprio mundo e assim sendo deveriam cuidar dele, não entendeu direito este pensamento, eram tantos pensamentos.

Estava tarde, o doente fora embora por medo de pegar resfriado, chegou em casa e como sempre se medicou, mas dessa vez, por precaução tomou mais que o recomendado.O cidadão de bem pegou o seu carro do ano e fora em encontro a esposa, que por ele esperava. Contudo, o doente desconsiderou o coração e este não perdoara tal desconsideração, não agüentou as altas dosagens de remédio, então parara, o cidadão de bem desconsiderou os seus reflexos e estando estes abalado não conseguira desviar das duas irmãs que atravessavam a rua, as atropelou, as matou, em seguida batera no poste e morrera. E o maconheiro continuava lá, mas mesmo na sua inércia, todos os doentes e cidadãos de bem que por ali passavam se incomodavam com a presença do rapaz, refletiam sobre sua possível vida estúpida e provável falha de caráter, não sabiam da história dos outros homens comuns que por ali sentaram e na verdade não se importavam, pois isso seria olhar para própria miséria e considerar os seus vícios.

Até que então este maconheiro levantara, pagara a conta sem olhar ao redor, fora pra casa e dormira.

Artistas são pessoas quebradas, suas percepções peculiares - deturpadas ou aguçadas, não sei, - os tornam assim, vêem as coisas diferentes. O que pra todos na rua é apenas um borrão, para o artista não, nunca é apenas um borrão. Aquele artista ao se deparar com aquele borrão se incomoda, o odeia, o entende, aquilo não é um borrão, é vida ou não, ele quer destruir aquele borrão, ele o ama, ele é vivo, mas deveria estar morto, ele é morto, mas deveria estar vivo, ele não é um mero borrão, ele é algo.

Mas naquela multidão ninguém percebe aquele solitário borrão, passam ocupadas demais, imbecis demais e ignoram aquele belo borrão, mas não aquele artista, este o compreende, mas mesmo com o artista apontando, suplicando com os olhos, ainda são incapazes de ver aquele borrão, então o artista grita, suplica, implora, NOTEM AQUELE BORRÃO, O ENTENDAM, AMEM-NO, ODEIAM-NO, O PERCEBAM, mas o efeito é inverso, depois disto qualquer possibilidade daquele borrão ser notado se extinguira, seu destino fora selado, pois todos olham o artista, agora só o percebem , mas ainda continuam a ignorar sua mensagem, se não fosse pelos julgamentos o artista também seria ignorado e talvez nessas condições seria melhor se fosse, pois eles só vêem loucura, assim como são incapazes de compreender o borrão também o são em relação ao artista.

Então aquele artista percebe que ninguém notará aquele borrão e então se desinteressa por viver em uma realidade onde aquele borrão é desconsiderado e conviver com pessoas com uma percepção tão pobre e então se junta ao borrão, agora não são mais artista e borrão solitários, são artista e borrão. Diante daquele borrão ele percebeu que mesmo com as pessoas ignorando-o ou mesmo o desprezando, aquele borrão continuava sendo o mesmo, espera, espera, não, não, aquele borrão nunca era o mesmo, ele assim como o artista, era quebrado, logo, não podia nunca ser o mesmo, pois ser quebrado faz com que seus cacos nunca estejam no mesmo lugar, ser quebrado não é ser incompleto, é ser mutável, é ser renovado a cada momento e isso era impossível para as pessoas coladas. Ele sabia que aquele borrão, se pudesse riria das pessoas que passavam, pois mesmo inanimado, era mais vivo que a maioria dos seres supostamente animados que por ali passavam e então ele riu pelo borrão, o borrão pareceu entender e rir junto com ele.

Ás vezes, só ás vezes outros quebrados viam o artista e o borrão e por um tempo se juntavam a eles e a quantidade de quebrados era proporcional a perplexidade que estes causavam pela sua simples presença, mas paralelo a isso a cada olhar de represália estes se compreendiam ainda mais, não que isso os tornassem menos quebrados,pois ás vezes ser quebrado doia, os cacos parecem pontiagudos e fatais, os tornam impotentes,além da dificuldade de achar outros quebrados e ás vezes mesmo com outros quebrados se sentem quebrados solitários,ás vezes queriam ser tão colados quanto aos demais e não perceber nada demais naquele borrão e nada demais em tudo, aquele artista percebeu que assim o borrão se sentia, pois ás vezes era menos cintilante, nem sempre tão forte, ás vezes ele se incomodava com os colados, por serem tão... tão... colados e isso quase fazia com que perdesse pedaços, mas então ele resistia e seus pedaços se bagunçavam novamente, renovados e então sentia-se feliz por ser quebrado e completo.

Mas nem todos quebrados eram iguais a eles, havia também os quebrados incompletos, que se ocupavam demais tentando achar os seus pedaços perdidos e por isso eram incapazes de fazer qualquer outra coisa, era uma espécie intermediária, pois apesar de quebrados, por vezes agiam como os colados, não tinha a liberdade dos quebrados e ele não gostava desses incompletos, pois eram mais próximos dos colados dos que dos outros quebrados.

Durante tais devaneios um raio reluziu no borrão, mas isso não podia acontecer, pois aquele borrão não era de material reluzente, mas então aquele artista viu que aquele borrão era feito de vidro, vidro espelhado, aquele borrão, aquele borrão, era ele. Ele era o borrão, ignorado, desprezado, mutável e quebrado, se sentiu meio deslocado, tudo girava e rápido, era muito informação, era tudo novo e tudo em pedaços, ele era um borrão e ele era um quebrado, mas então, ele olha aquele borrão que agora não é mais um borrão e olha os outros que assim como eles são quebrados e perdidos, então tudo parou de girar, porque ele realmente não se importava com os colados ou com os incompletos,pois esses eram presos e ele era um quebrado e era livre, seus cacos pertenciam só a si, era um maldito quebrado e isso era perturbador e igualmente belo e aqueles outros quebrados o fazia perceber que não estava só, então seus pedaços estavam se movendo rapidamente, era um verdadeiro caos, ele era um novo ser, totalmente quebrado, então ignorou os colados e gritou e então juntamente com aqueles outros quebrados, correram, sem rumo, motivo ou pressa, os colados olharam com espanto e desprezo para aqueles vagabundos, mas os quebrados não se importavam, continuaram a correr e a celebrar o quão eram quebrados e por conseqüência o quanto eram livres.

Fiz esse breve texto após refletir sobre o filme Vanilla Sky, que por sinal é fantástico, a idéia é meio que um Matrix ao contrário, pelo menos a idéia foi como eu percebi, enquanto no segundo se luta pela verdade no primeiro escolhe pela mentira, pela forma abordada no filme - você cria seu mundo e o sente como real, não sabe é uma ilusão - é no mínimo tentador. E se pudesse escolher a vida dos sonhos, memso que ilusória, o que faria?

E se pudesse viver para sempre? Mas não o real e palpável, se pudesse criar o seu mundo, exatamente com tudo que gostaria, a sua utopia seria real. Você viveria, sentiria, acreditaria, mas seria mentira, você não saberia, entretanto nada daquilo seria real. Seria a mentira tão real que se tornaria a própria razão de viver? O que torna as coisas reais? Acreditar as tornam reais? Sentir? Será que a felicidade mesmo que gerada pela ilusão compensa toda a mentira? Até onde ir pela felicidade? Até onde compensa? A eternidade a seu dispor, a perfeição, o seu desejo. Maior que a morte e que o tempo. Um Deus criando tudo. Não é tentador? Não é belo? A satisfação compensa a mentira? Mas não seria a vida a própria mentira? Se a mente não difere o sonho da realidade, como saberemos? O que é sonho o que é real? Viver para sempre, mentir para sempre? Sonhar para sempre e realizar tudo. Não é tentador? A verdade é importante? A mentira é vilã? É heroína? O que é a verdade?

Quanto tempo sem postar aqui, é definitivamente mais fácil abandonar algo do que mantê-lo. Tenho alguns textos aqui, mas não sei se por preguiça ou por não ser o que pensava no momento - sua publicação não seria sincera - não publiquei,espero não abandonar novamente o blog. O texto abaixo está indiretamente ligado a uma visão ateísta, não necessariamente compartilhada com outros ateus, mas a minha visão ateísta, então provavelmente um cristão não gostará ou talvez nem entenderá. Acho que ele ficou com ares meio auto-ajuda,não era a intenção e espero que dê para vislumbrar além disso.


Nossa pequenez diante da natureza, do tempo, do universo é indiscutível. Somos fruto do acaso, sem motivos ou sentido, não temos missões e não somos importantes, não seremos condenados nem parabenizados, não há temor ou agradecimentos.
Diante disso muitos de desesperam, negam-se a ver o que está diante dos olhos. Fere o ego admitir sua inutilidade. Só há o terreno e o agora e mesmo nesses aspectos somos insignificantes, poucos nos notam ou se importam.
Não há necessidade de sentido , só há o de viver o máximo que conseguir, desfrutar dos benefícios e lutar por melhorias. O acaso pode ser fascinante é só se permitir conhecê-lo, porém é um caminho sem volta, depois que se concebe um espírito livre é impossível abandoná-lo.
Com o adeus a missão, abandona-se culpa, as amarras, você não está aqui por ser especial, meramente está e isto lhe permite fazer as próprias escolhas.
Sabendo da sua insignificância surge a vontade de mudar tal realidade, mas não para uma vida futura, mas nessa, o aqui e o agora. Há a busca da sua verdade e se defende-la de tal maneira suas idéias ultrapassarão o tempo e farão de você imortal.
Invente a sua história, viva os prazeres. Apenas faça o que quiser, sem medo ou dogmas.
E que durante a pequenez encontre razões e caminhos para se fazer grande perante de algo supostamente superior ou aos outros, mas seja grande para si e será reconhecido por isso. Admita a pequenez e transforme-se.

Então por conta daquele olhar eu subitamente entendi, eu entendi tudo. Passei 45 anos sem entender, mesmo tendo a educação mais adequada, freqüentando os melhores lugares eu não entendia, mas no caos, na morte, no olhar daquele jovem eu entendi. Ali não havia suicidas ou loucos, ao contrário apresentavam uma sensatez admirável, enquanto nós os insanos vivíamos como aquilo fosse alheio a nós, mas não era, ali havia um pouco de todos nós. Eu não vivia, nunca vivi, apenas fazia o que julgava que deveria ser feito, fazia o que esperavam de mim. Nunca tive grandes feitos ou grandes derrotas, eu apenas existia, me submetia ao medo e aquilo não era vida, ó não, aquilo era subjugação, era humilhação, era sobreviver. Então eu me senti com 20 anos outra vez e meramente corri, não havia destino, não havia porquê, mas sei que corri, fui em meio aos jovens que lutavam pela vida, e gritei, gritei como nunca antes havia gritado, era um grito desesperado, aterrorizado, emanava dor, dor guardada durante 45 anos, era o medo se exteriorizando, o horror, a revolta, a coragem, a tortura, eu gritava por por aquele jovem, gritava pelo mundo, insano mundo que se permitiu chegar a tal ponto, e mais que tudo, gritava por mim, com ódio, como admiti tal prisão durante toda minha vida? E então eu vi, vi o miserável que acabara com a vida daquele jovem e não me contive, corri e o agarrei pelo pescoço o olhava com ódio, do mesmo modo que jamais esqueceria do olhar do garoto, ele certamente não esqueceria do meu, o olhei dentro dos olhos e vi medo, terror, ele estava mais perdido que qualquer um, ele nada mais era que um miserável, um coitado, um nada, mas mesmo assim eu prossegui e o enforquei e pelas minhas mãos ele morreu e então eu GRITEI, aquilo era vida, era liberdade, era como se o garoto olhasse e me agradecesse, como se todos aqueles outros jovens se sentissem vingados, como se suas idéias o tivessem matado, como todos os outros movimentos, todas as outras mortes, os ideais guardados, o medo contido, tudo estava ali e naquele momento eu fui o herói, naquele momento eu mudei o mundo. Era mais que tirar a vida de alguém, era dar a vida a outros e isso é fantástico.

E então eu ia em direção a outro miserável, mas uma bala pelas costas me conteve, ardia, doía, coloquei minha mão no meu corpo e ele sangrava, era a morte e eu não a temia, eu a compreendia, aquilo não era o pior, eu já havia passado pelo pior, passara 45 anos de minha vida morto, mas aqueles 10 minutos, eles sim foram vida, neles eu vivi, neles eu fui quem eu quis ser, eu fui livre e tive pena de quem eu era de como desperdicei a minha vida de como fui covarde e fui grato imensamente aquele garoto que me deu a vida e me dando a vida travou a minha morte e eu também morria com dignidade, morria por um ideal, morria pela liberdade e naquele momento assim como aquele jovem, assim como tantos outros eu me tornei imortal, não meu nome, isso permaneceu anônimo, mas a idéia, esta enquanto houver vida esta permanecerá, tantos outros que já morreram em nome dela, tantos outros que morrerão, é como se tivéssemos unidos além do tempo, como se fossemos um só, nos tornamos parceiros, aquele ato, olhares e gritos tocarão alguns e isto é imutável, nos tornamos imortais. Eu já não mais sentia meu corpo, era a morte, mas então assim como tantos outros na morte eu encontrei a vida.

Postarei um conto, o primeiro que escrevi - não que eu tenha muitos - por ser um pouco extenso o dividirei em duas partes

O mundo mudara muito nos últimos anos, não é mais permitido ficar na rua depois das 23 horas, pois há toque de recolher, o dinheiro foi extinto agora é tudo no cartão magnético, há forte armamento devido aos terroristas, o que é estranho já que mesmo sem ataques o armamento cresce muito. O governo é implacável, qualquer um visto como terrorista é detido e mantido em cadeia, embora muitos aleguem que aquilo seja uma farsa, que é apenas um modo de manter o medo nas pessoas. Acusam o sistema atual de ditatorial, eu não sei muito a respeito, não me cabe questionar, não tenho tempo para isso, vivo bem e com conforto e é o que importa ao menos era o que importava.

Eram 6 horas da manhã, acordei metodicamente igual aos outros dias, mal sabia eu que aquele seria o último dia da minha vida e estranhamente também o primeiro. Sai em direção ao meu trabalho – sou operador de máquinas – quando vi uma movimentação estranha, há muito não vista. Eram jovens e numerosos, era um protesto, havia gritos e cartazes “Liberdade sempre” , “ Viva a revolução” , “Medo não” e coisas do gênero, achei curioso como pessoas com um futuro promissor colocariam tudo a perder por nada. Como estava adiantado alguns minutos parei para observar. Parecia uma grande festa, músicas, gritos e a juventude, mas não era e isso ficou claro quando apareceu a polícia e ela pediu que se retirassem, que fossem para as suas casas, mas os jovens não o fizeram, queriam a mídia, tinham uma mensagem a ser dada, mas isso era impossível, todos sabiam que a mídia era do governo e este não cederia. Ia caminhando acreditando que toda a algazarra acabaria ali, mas não. Um jovem que parecia ser o líder bradou o seguinte “Sairemos daqui só ao falarmos com a mídia ou sairemos daqui mortos”, não me lembro bem da aparência desse jovem, mas me lembro de seus olhos, eram pretos, profundos, decididos e vivos. O policial chefe ensaiou um sorriso ao canto esquerdo da boca, ele gostara do que ouvira e disse o seguinte “ Vocês estão criando o caos, faremos de tudo para manter a ordem, esta é a última chance, saiam ou terão o que merecem”, esperava que todos recuassem, mas ninguém o fez e foi justamente o contrário, todos foram em frente na direção aos policiais e gritavam cada vez mais forte “Liberdade, liberdade”, havia uma multidão em volta, todos observavam absortos. Eu estava atrasado, em 20 anos de trabalho jamais me atrasei, mas não conseguia me mover, tinha que ver o desfecho daquela história. Seguia o jovem do olhar penetrante até que houve um tiro e era justamente naquele jovem e em uma fração de segundo passara horas, eu estava paralisado, aqueles olhos me fitavam, me consumiam e a multidão corria e gritava, mas eu não conseguia me mover, era uma situação aterrorizante, mas aquele olhar me controlava, eu estava em pânico, queria correr e queria gritar, queria salvar o jovem, queria ir para o mais longe possível, mas eu não conseguia fazer nada além de observar aquela cena mortificante.

Aquele olhar mudou minha vida, mesmo que brevemente ele mudou. Era o olhar de alguém que iria morrer, mas não de alguém que temia a morte, era um olhar de uma bravo, de um guerreiro, de alguém que sabia sua sina e estava tranqüilo com ela, o garoto estava em paz consigo, eu nunca havia entendido a expressão morrer com dignidade, para mim morte era morte e não havia como morrer com dignidade, simplesmente morria, mas ao observar aqueles olhos eu entendi, aquela era uma morte com dignidade, ele não olhava aterrorizado, nem mesmo pedia ajuda, não pareceu orar ou nada parecido, ele sabia quem era e o que estava acontecendo ,estava plenamente são, emanava vida e não morte, seus olhos brilhavam parecia emitir luz,era como se visse dentro de mim, a minha alma, meus temores, visse tudo, era espantoso e mágico, fora uma fração de segundos, mas pareceu horas e fora brutal e não me refiro a morte do garoto ao sangue que jorrava em seu peito e nem da multidão que o pisava, não. O brutal foi a morte daquele olhar, que segundos antes era vida e da mais sincera, da mais real, mas agora não era mais que nada, era gélido, apagado era MORTO. E aquilo era deveras injusto, revoltante era brutal.

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