Pare. Pense. Ouça. Ouviu? Agora fale.

"Não existem milagres nesse mundo. Só existem fatalidades, coincidências e o que você faz."

Então por conta daquele olhar eu subitamente entendi, eu entendi tudo. Passei 45 anos sem entender, mesmo tendo a educação mais adequada, freqüentando os melhores lugares eu não entendia, mas no caos, na morte, no olhar daquele jovem eu entendi. Ali não havia suicidas ou loucos, ao contrário apresentavam uma sensatez admirável, enquanto nós os insanos vivíamos como aquilo fosse alheio a nós, mas não era, ali havia um pouco de todos nós. Eu não vivia, nunca vivi, apenas fazia o que julgava que deveria ser feito, fazia o que esperavam de mim. Nunca tive grandes feitos ou grandes derrotas, eu apenas existia, me submetia ao medo e aquilo não era vida, ó não, aquilo era subjugação, era humilhação, era sobreviver. Então eu me senti com 20 anos outra vez e meramente corri, não havia destino, não havia porquê, mas sei que corri, fui em meio aos jovens que lutavam pela vida, e gritei, gritei como nunca antes havia gritado, era um grito desesperado, aterrorizado, emanava dor, dor guardada durante 45 anos, era o medo se exteriorizando, o horror, a revolta, a coragem, a tortura, eu gritava por por aquele jovem, gritava pelo mundo, insano mundo que se permitiu chegar a tal ponto, e mais que tudo, gritava por mim, com ódio, como admiti tal prisão durante toda minha vida? E então eu vi, vi o miserável que acabara com a vida daquele jovem e não me contive, corri e o agarrei pelo pescoço o olhava com ódio, do mesmo modo que jamais esqueceria do olhar do garoto, ele certamente não esqueceria do meu, o olhei dentro dos olhos e vi medo, terror, ele estava mais perdido que qualquer um, ele nada mais era que um miserável, um coitado, um nada, mas mesmo assim eu prossegui e o enforquei e pelas minhas mãos ele morreu e então eu GRITEI, aquilo era vida, era liberdade, era como se o garoto olhasse e me agradecesse, como se todos aqueles outros jovens se sentissem vingados, como se suas idéias o tivessem matado, como todos os outros movimentos, todas as outras mortes, os ideais guardados, o medo contido, tudo estava ali e naquele momento eu fui o herói, naquele momento eu mudei o mundo. Era mais que tirar a vida de alguém, era dar a vida a outros e isso é fantástico.

E então eu ia em direção a outro miserável, mas uma bala pelas costas me conteve, ardia, doía, coloquei minha mão no meu corpo e ele sangrava, era a morte e eu não a temia, eu a compreendia, aquilo não era o pior, eu já havia passado pelo pior, passara 45 anos de minha vida morto, mas aqueles 10 minutos, eles sim foram vida, neles eu vivi, neles eu fui quem eu quis ser, eu fui livre e tive pena de quem eu era de como desperdicei a minha vida de como fui covarde e fui grato imensamente aquele garoto que me deu a vida e me dando a vida travou a minha morte e eu também morria com dignidade, morria por um ideal, morria pela liberdade e naquele momento assim como aquele jovem, assim como tantos outros eu me tornei imortal, não meu nome, isso permaneceu anônimo, mas a idéia, esta enquanto houver vida esta permanecerá, tantos outros que já morreram em nome dela, tantos outros que morrerão, é como se tivéssemos unidos além do tempo, como se fossemos um só, nos tornamos parceiros, aquele ato, olhares e gritos tocarão alguns e isto é imutável, nos tornamos imortais. Eu já não mais sentia meu corpo, era a morte, mas então assim como tantos outros na morte eu encontrei a vida.

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